
Este era o aspecto provável da ilha de Thera antes da última erupção vulcânica, datada pelos investigadores entre os anos 1600 e 1623 a.C. Reconstrução virtual baseada nas investigações de Walter L. Friedrich. Imagem National Geographic Portugal. Divulgação.
Novos estudos revelam informações cruciais e assustadores sobre o cataclismo que abalou o Mediterrâneo na Idade do Bronze. Uma incrível “cápsula do tempo” da erupção do vulcânica de Santorini foi descoberta na costa da Turquia, fornecendo novas evidências dessa catástrofe de grandes proporções e possivelmente os primeiros restos físicos de uma das pessoas que provavelmente morreu no evento.
Uma equipe de pesquisadores publicou recentemente um artigo no Proceedings of the National Academy of Sciences, apresentado evidências de um tsunami que se seguiu à erupção de Thera (hoje Santorini), ilha vulcânica na Grécia, cerca de 3.600 anos atrás.
A mega erupção de Thera, classificada no índice de explosividade vulcânica nível 7 (em 8), é considerada uma das erupções mais destrutivas da história que a humanidade já presenciou. Alguns estudiosos comparam-na com à de detonação de milhões de bombas atômicas do tipo usado em Hiroshima. A memória traumática do evento na Idade do Bronze, por volta de 1600 a.C., pode ser vista em textos de Platão sobre a cidade submersa de Atlântida, feita mais de mil anos depois, e refletido nas Dez Pragas bíblicas. A cidade minoica de Akrotiri, enterrada nas cinzas da erupção de Thera, é comparada a Pompéia.
Ainda que não haja relatos diretos da erupção e do tsunami, recentemente os pesquisadores modernos têm procurado definir seu alvo, bem como a sua influência na vida no Mediterrâneo na época. Os cientistas estão tentando medir o impacto causado em todo o Mediterrâneo, principalmente na vida dos minoanos, uma potência marítima localizada na Ilha próxima de Creta que entrou em decadência na mesma época, no século XV a.C.
Desenterrando um tsunami
As investigações no sítio arqueológico de Çesme-Bağlararası, localizado na costa do Mar Egeu na Turquia, e a 160 km ao norte-nordeste de Santorini, tiveram início após a descoberta de uma cerâmica antiga em um bairro residencial durante a construção de um prédio em 2002.
O arqueólogo Vasıf Şahoğlu, da Universidade de Ancara, na Turquia, coordenou escavações no que parecia ser um bem-sucedido assentamento ocupado de meados do terceiro milênio ao século XIII a.C. Şahoğlu se concentrou em uma área com paredes de fortificação tombadas, amontoados de cerâmica, e camadas de cinzas, ossos e conchas marinhas. Ele procurou vários especialistas de diversas áreas que pudessem ajudá-lo a entender aquela confusão.
Evidências como edifícios desmoronados e incêndios podem ser o resultado de tsunamis passados ou terremotos, inundações e até mesmo tempestades. Essas evidências podem desaparecer rapidamente com o tempo, principalmente em regiões como a costa do Mar Egeu. Embora os vestígios da erupção de Thera possam ser vistos nas camadas de gelo da Groenlândia e nos pinheiros bristlecone da Califórnia, apenas seis locais físicos com evidências do tsunami do Thera foram identificados até agora, e nenhum com a complexidade apresentada por Çesme-Bağlararası.
Agora, os pesquisadores estão criando processos cada vez mais sofisticados para tentar encontrar eventos históricos de tsunami, que incluem assinaturas físicas e químicas da vida marinha deslocada para a terra com as ondas que inundam e uniformizam os sedimentos e depósitos rochosos. Em Çesme-Bağlararası, diversos crustáceos transportados do oceano foram descobertos presos às paredes desmoronadas de edifícios.
O arqueólogo Jan Driessen da Universidade de Louvain, Bélgica, e chefe do grupo de pesquisa Talos que estuda o impacto da erupção de Santorini, acredita que a pesquisa servirá como um estudo de caso para arqueólogos e outros pesquisadores entenderem melhor a devastação que diversos sítios do Egeu, próximos do vulcão devem ter sofrido. Driessen não participou do estudo.
Um desastre sem vítimas?
Um dos aspectos da erupção de Thera que vem intrigando pesquisadores é a falta de vítimas. No tsunami gerado pela erupção do Krakatoa, estima-se que mais de 35.000 pessoas morreram, e números parecidos foram propostos para a Idade do Bronze no Egeu. No entanto, apenas um indivíduo do sexo masculino foi identificado como provável vítima de Thera. Ele foi descoberto enterrado sob os escombros no arquipélago de Santorini durante pesquisas no final do século XIX.
Há várias teorias sobre a falta de vítimas: erupções anteriores e menores teriam causado uma fuga da área antes que ocorresse a erupção cataclísmica; as pessoas morreram no mar ou foram incineradas por gases superaquecidos, ou foram enterradas em valas que ainda não foram localizadas.
Para a geóloga marinha Goodman-Tchernov, os pesquisadores podem já ter descoberto vítimas do desastre de Thera, mas não conseguiram identificar e fazer a conexão. “É muito possível que [outras] vítimas já tenham sido descobertas, mas não necessariamente identificadas porque estão associadas a efeitos secundários ou terciários na periferia da erupção.”
No entanto, no sítio de Çesme-Bağlararası, pesquisadores afirmam ter encontrado os restos mortais de um homem jovem que seria a primeira vítima do evento. Foi localizado também os restos mortais de um cachorro próximo a uma porta desmoronada. Embora a datação ainda não tenha sido realizada, os especialistas estão confiantes de que estarão de acordo com as datas de radiocarbono já obtidas em amostras de materiais coletados próximos às vítimas.
Ondas de terror
Os estudiosos definiram que quatro ondas de tsunami atingiram Çesme-Bağlararası ao longo de dias ou semanas. McCoy observa que ocorreram quatro fases para a erupção de Thera. Há muito tempo os pesquisadores tentam descobrir em qual fase da erupção desencadeou o que eles acreditavam ser um único evento de tsunami.
Um buraco encontrado diretamente acima do corpo de um homem sugere que, à medida que as águas baixaram entre as quedas do tsunami, os moradores sobreviventes aproveitaram a oportunidade para escavar os escombros a procura de vítimas. Quem quer que tenha cavado o buraco, por algum motivo, parou antes de recuperá-lo.
Esta pista da tentativa de resgate das vítimas do tsunami indica que havia preocupação com o enterro adequado após o desastre, provavelmente em valas coletivas para reduzir as doenças e suas consequências. Isso explicaria a ausência de vítimas humanas nos níveis de destruição no Egeu.
Identificando o evento
Os pesquisadores enfrentam um grande desafio ao tentar relacionar as cronologias relativas do Egito e de Akrotiri. A erupção de Thera foi atribuída a um período conhecido como Late Minoan IA, que está relacionado à 18ª dinastia do Egito em 1500 a.C., mas datas de radiocarbono de amostras de madeira foram encontradas em camadas de cinzas em Akrotiri datam de meados de 1600 a.C. – uma desconexão de até mais de um século. Isso provoca problemas para os especialistas que tentam descobrir como essas culturas que viviam ao redor do Mediterrâneo na época interagiram antes e depois do desastre.
Os pesquisadores afirmam que a erupção de Thera não poderia ter ocorrido antes da datação mais antiga que eles conseguiram – um grão de cevada descoberto próximo aos restos mortais do jovem, com datação por radiocarbono de 1612 a.C. Alguns pesquisadores externos divergem sobre esta metodologia, mas o consenso geral é de que, embora novos dados sejam sempre bem-vindos, o ponto da cronologia não será resolvido pelo que foi encontrado até o momento em Çesme-Bağlararası.
Şahoğlu espera que este extraordinário sítio arqueológico no centro de uma cidade popularmente turística possa um dia se tornar uma parte das atrações turística do lugar.
“Quando você olha para coisas como tsunamis, porque são tão raros, às vezes passam séculos antes que um grande evento aconteça. Não há muito conhecimento cultural transferido de ano para ano, então as pessoas presumem que estão seguras”.
Fonte: National Geographic