Imagem de uma das páginas da Carta de Lei de 1773.
A carta de lei possibilitou que todos os habitantes do Reino de Portugal pudessem professar sua crença livremente, mas isso não significa que o preconceito tenha acabado. A ideia era por fim há séculos de perseguições ao povo judeu em Portugal, permitindo que eles pudessem seguir sua religião sem que o estado interferisse. Essa compreensão da realidade foi o resultado da mobilização feita por Pombal contra os jesuítas, acusados de instituir um grupo religioso com ambições demasiadas.
Transcrição:
Carta de Lei de 1773
Dom José por graça de Deus, Rei de Portugal, e dos Algarves, d’aquém e d’além Mar, em África Senhor da Guiné, e da Conquista, Navegação, Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia etc. Aos Vassalos de todos os Estados dos Meus Reinos, e Senhorios, saúde. Em Consultas da Mesa do Desembargo do Paço, e do Conselho Geral do Santo Ofício da Inquisição, e da Mesa de Consciência, e Ordens, Me foi presente; Que havendo a Igreja na sua primitiva Fundação; no seu sucessivo progresso; e na propagação dos Fiéis, que a ela se uniram; recebido no seu regaço, como Mãe Universal, Gentios e Judeus convertidos; sem distinção alguma, que fizesse diferentes uns dos outros por uma separação contrária à Unidade do Cristianismo, que é indivídua por sua natureza; Sendo o sangue dos Hebreus o mesmo idêntico sangue dos Apóstolos, dos Diáconos, dos Presbíteros, e dos Bispos por eles ordenados, e consagrados; Sendo este sempre o constante, e inalterável espírito da mesma Igreja, e da Doutrina, e Disciplina, que dele, e delas emanaram em todos os Dezoito Séculos da sua duração; sem outras modificações, que não fossem; a de que os Neófitos batizados depois de adultos, como recentemente convertidos à Fé, se reputavam por Cristãos Novos; e por Cristãos Velhos os que por muito tempo perseveraram na Fé por Eles professada, quando recebiam o Sacramento do Baptismo; para se suspender aos Primeiros a Colação das Honras, e Dignidades Eclesiásticas, enquanto não excluíam com a sua firmeza a presunção de voltarem ao Vómito; e para os Segundos não só ficarem pela sua perseverança inteiramente hábeis nas suas pessoas para tudo o referido; mas também para transmitirem esta Canónica habilidade, e legitimidade a todos os seus Descendentes, que como Eles viveram na mesma santa crença de seus Pais, e Avós convertidos; Sendo este sempre o mesmo constante espírito, e a mesma sucessiva e inalterável Doutrina, com que a Sede Apostólica, e os Sumos Pontífices, Cabeças Visíveis da mesma Igreja, honraram os Filhos, Netos, e mais Descendentes dos próprios Judeus, que do Gueto da Cidade de Roma, e de outras Sinagogas, se converteram à Santa Fé Católica; conferindo-lhes todos os Ofícios Civis, todos os Benefícios, e Dignidades Eclesiásticas; os Bispados, Arcebispados, e Púrpuras Cardinalícias; sem excepção, ou reserva alguma; Sendo este espírito, e esta Doutrina da Igreja Universal, o mesmo espírito, e a mesma Doutrina das outras Igrejas Particulares de todas as Nações mais pias, e ortodoxas da Cristandade; Sendo este Direito, e estes factos, que nele se estabelecem, de uma demonstrativa certeza por si mesma notória; E vendo a referida Mesa do Desembargo do Paço, que aos sobreditos respeitos se achava a Igreja Lusitana de mais de cento e cinquenta anos a esta parte em uma diametral contradição, não só com as referidas Igrejas Particulares das Nações mais Católicas; mas também até com a mesma Igreja Romana, Mãe e Mestra de todas as outras Igrejas Particulares, que dela não podem separar-se sem abuso, e ofensa da União Cristã; Não pôde deixar de fazer as mais assíduas indagações para investigar, e descobrir a causa com que nos meus Reinos, e Domínios, se introduziu, e fez grassar a dita distinção de Cristãos Novos e Cristãos Velhos; não como a Igreja Universal, e as Particulares o têm praticado, para provarem a firmeza da Fé dos convertidos; mas sim para daquela distinção se deduzir a perpétua inabilidade, que por aquele longo período de tempo tem infamado, e oprimido um tão grande número dos Meus fiéis Vassalos; Ponderando a mesma Mesa por uma parte, que em efeitos das suas aplicações, viera a verificar pela notoriedade de factos históricos da mais qualificada certeza, cronologicamente deduzidos; e por Documentos autênticos, e dignos do mais inteiro crédito; que desde o glorioso Governo do Venerável Rei Dom Afonso Henriques até o Governo do Senhor Rei Dom Manuel, nem ainda os mesmos Judeus das Sinagogas destes Reinos tiveram neles a exclusiva dos Ofícios Políticos, e Civis, que depois se maquinou contra os Novos Convertidos; Em tal forma, que no Reinado do Senhor Rei Dom Fernando, o Hebreu Dom David foi seu grande Privado; o outro Judeu Dom Judas Tesoureiro Mor do seu Real Erário; No Reinado do Senhor Rei Dom João I consta, que não só dera privilégios aos Hebreus convertidos, por mercê do ano de mil quatrocentos vinte e dois; mas também; que havendo-lhe apresentado o seu Físico Mor Moisés uma Bula do Santo Padre Bonifácio Nono, datada em Roma a dois de Julho de mil trezentos oitenta e nove, em que veio inserta outra de Clemente VI, dada em Avinhão a cinco de Julho de mil duzentos quarenta e sete; e determinando ambas as referidas Bulas; Que nenhum Cristão violentasse os Judeus a receberem o Baptismo; Que lhes não impedissem as suas festas, e solenidades; Que lhes não violassem os seus cemitérios; E que se lhes não impusessem tributos diferentes, e maiores daqueles, que pagassem os Cristãos das respectivas Províncias; Ordenou aquele grande Monarca em Provisão de dezessete de Julho de mil trezentos noventa e dois; Que aos mesmos Hebreus fossem pontualmente observados todos os referidos Privilégios, seguindo nisto o exemplo da Cabeça Visível da Igreja; com o mesmo fim de afeiçoar, e atrair a Ela os referidos Hebreus; No Reinado do dito Senhor Rei Dom Manuel, quando (depois da expulsão dos mesmos Judeus, ordenada no ano de mil quatrocentos noventa e seis) a irrisão, com que a plebe de Lisboa chamava Cristãos Novos aos Conversos que tinham ficado neste Reino, causou o horroroso motim, que padeceu a cidade de Lisboa no ano de mil quinhentos e seis; ocorreu logo o mesmo Pio, e Iluminado Monarca, que tinha ordenado a dita expulsão dos Hebreus Profitentes, a obviar as divisões, e os estragos, que aquela perniciosa denominação tinha feito nos seus Vassalos; não só naturalizando todos os ditos Novos Convertidos pela sábia Lei do primeiro de Março do ano próximo seguinte de mil quinhentos e sete; mas também passando a constituir nela a favor dos mesmos Novos Convertidos o título oneroso, que lhes foi concedido nas palavras; “Item lhes prometemos, e Nos apraz, que daqui em diante não faremos contra eles nenhuma Ordenação, nem defesa, como sobre Gente distinta, e apartada; mas assim nos apraz, que em tudo sejam havidos, favorecidos, e tratados como próprios Cristãos Velhos, sem deles serem distintos, e apartados em coisa alguma.” Lei, e Título, que no Reinado próximo seguinte se repetiram pela outra igual Lei de dezesseis de Dezembro do ano de mil quinhentos vinte e quatro; Ponderando por outra parte, que pelo exame, que fizera nos Estatutos de todas as Dioceses, nas Constituições de todas as Ordens Regulares, e nos Regimentos de todos os Tribunais destes Reinos, tinha verificado, que contra a disposição das referidas Leis, não houvera distinção de Cristãos Novos e Cristãos Velhos, nem Inquirições a elas respectivas, antes da funesta maquinação abaixo declarada; Ponderando por outra parte, que sendo o sobredito estado o que constituía o Sistema de todas as Leis Eclesiásticas, e Seculares, e dos louváveis, e nunca alterados costumes de Portugal; quando no Governo infeliz de El Rei Dom Henrique se tratou da Sucessão da Coroa Vacilante destes Reinos; sendo um dos Opositores a Ela o Prior do Crato Dom António, com um forte Partido; e tendo maquinado os denominados Jesuítas; não só fazerem passar a mesma Coroa a domínio estranho com a colusão, que foi manifesta por todas as Histórias; mas também dividirem, e dilacerarem todas as Classes, Ordens, e Grémios do mesmo Reino; com o outro objectivo de assim lhes tirarem as forças, com que viram que haviam de procurar resistir aos seus enormíssimos atentados; não houve estratagema, que não maquinassem com aqueles dois fins; já suscitando aquela sediciosa distinção de Cristãos Novos, e Cristãos Velhos reprovada pelas sobreditas Leis dos Senhores Reis Dom Manuel, e Dom João III; por se ter visto pelo caso do motim do ano de mil quinhentos e seis, que era o Estratagema mais adaptado para causar divisões populares, e tumultos; já indo excogitar no então novo Estatuto da Sé de Toledo (que nela fora poucos anos antes sugerido, e introduzido com os semelhantes fins particulares, e carnais, que causaram em Espanha as controvérsias mais ardentes) um pretexto para autorizarem, e introduzirem nestes Reinos aquela Reprovada Distinção; já inventando que D. Violante Gomes, Mãe do sobredito Dom Antonio, tinha sangue dos ditos Novos Convertidos, para inabilitá-lo por Cristão Novo ; já trabalhando para exclui-lo (como excluíram) com o referido pretexto pelo despotismo, com que naquele tempo obravam nas Três Cortes de Lisboa, de Madrid, e de Roma; já prosseguindo na mesma Cúria em Causa comum com os Ministros Espanhóis daquele crítico tempo (e com o mesmo objecto da divisão, e dilaceração dos meus Vassalos) em fazer valer a dita sediciosa distinção com o clandestino, e extorquido Breve, que se dirigiu à Universidade de Coimbra em Nome do Santo Padre Xisto V, para que os chamados Cristãos Novos não fossem providos nos Benefícios dela ; com o outro Breve expedido em Nome do Santo Padre Clemente VIII a dezoito de Outubro do ano de mil e seiscentos, para ampliar a dita proibição a todas as Dignidades, Canonicatos, e Prebendas das Catedrais, Colegiadas, e até as Paróquias, e Vigairarias com Cura de Almas; com o outro Breve expedido em nome do Santo Padre Paulo V em dez de Janeiro de mil seiscentos e doze; já tomando por pretextos os referidos Breves, (sob-reptícios, sub-reptícios, e extorquidos com as narrativas de falsas causas) a fim de que por efeito da mesma conhecida Prepotência, com que obraram naquelas calamitosas conjunturas, estabelecessem com as suas irresistíveis intrigas, até por Alvarás, e Cartas do mesmo Governo estranho (por Eles introduzido neste Reino) a dita exclusiva dos chamados Cristãos Novos para não entrarem nos empregos, e Ofícios de Justiça, ou Fazenda Real; e para constrangerem os Prelados Diocesanos, os seus respectivos Cabidos, as Ordens Regulares (que sempre oprimiram), e ultimamente mesmo as Ordens Militares, a fazerem Estatutos Exclusivos dos ditos chamados Cristãos Novos; e a impetrarem na Cúria de Roma as Confirmações deles; em que os Curialistas, que expediram os referidos Breves, ficaram tão inconciliavelmente contrários a si mesmos, que os Irmãos, e Primos com Irmãos dos mesmos, que em Portugal faziam Cristãos Novos, inábeis, e infames, eram com o seu mesmo sangue ingénuos, e hábeis na Corte de Roma, e seus Estados, para todas as Dignidades, e Honras Eclesiásticas, Políticas e Civis acima indicadas; além de laborarem os mesmos breves nas ob-repções, e notórias sub-repções, que desde o princípio se manifestaram ineficazes por sua natureza; como diametralmente contrários ao Espírito da Santa Igreja Universal; ao dos Cânones Sagrados; ao de todas as Igrejas Particulares; e ao do Sistema das Leis, e dos louváveis costumes destes Reinos; Ponderando, por outra parte, que havendo sempre a Igreja procurado atrair com prémios os Catecúmenos, e Novos Convertidos; e tendo-o assim praticado os Apóstolos, e os Seus Sucessores, desde a Primitiva Igreja até o dia de hoje; de sorte que os Cânones até os chegaram a absolver das soluções dos Dízimos; era fácil de ver, que se o prémio das Conversões em Portugal houvesse de continuar a ser uma perpétua infâmia, uma perpétua segregação, e uma perpétua inabilidade de todas as pessoas dos Novos Convertidos, e dos seus Descendentes; seria impossível que houvesse Conversões verdadeiras, enquanto a Divina Providência não obrasse um milagre superior a todas as causas naturais, para suspender os efeitos delas nas vocações dos mesmos Convertidos. A Mesa da Consciência, e Ordens, depois de concordar com todo o referido, acrescentou, que naquele Tribunal se não conheceram Inquirições de genere até o tempo dos sobreditos Breves introduzidos nas Ordens Militares com a sobredita Prepotência. E finalmente o Conselho Geral, guiado pelas luzes da Consulta da Mesa do Desembargo do Paço, que nele mandei ver, e também com ela conforme igualmente Me representou; Que fazendo examinar, e combinar, por uma par- te nos seus Arquivos, se tinha havido as referidas Inquirições de genere anteriores aos ditos Breves; lhe constou por um completo exame, que tais Inquirições não tinha havido; quando aliás lhe constara legalmente, que no período de tempo, que decorreu desde a Fundação daquele Tribunal pelo Santo Padre Paulo III no ano de mil quinhentos trinta e seis, até o Primeiro Breve De Puritate do outro Santo Padre Xisto V, foram providos muitos Inquisidores, muitos Familiares, e muitos Oficiais, cujos Provimentos se acham nos mesmos Arquivos; como neles se achariam as suas respectivas Inquirições, se na realidade houvessem existido; assim como existem todas as que se processaram depois do sobredito Breve De Puritate; E que fazendo examinar igualmente o número de Penitenciados, que se processaram naquele Primeiro período de tempo, em que nunca houve habilitações de genere; e o número de Réus penitenciados no Segundo período, que decorreu desde o tempo das Introduções das referidas habilitações até este presente; achara, que os Apóstatas naquele Primeiro período mais feliz, e conforme aos Espírito da Igreja, e aos louváveis costumes de todas as Nações (que são os mesmos destes Reinos), foram sempre muito raros, e em pequeno número; quando pelo contrário depois do Segundo período triste, e lutuoso, foram os mesmos Réus de ano em ano sendo cada vez mais numerosos, com uma desproporção incomparável. E porque como Rei, e Senhor Soberano, que na temporalidade não reconhece na Terra Superior; Como Protector da Igreja, e Cânones Sagrados nos meus Reinos, e Domínios, para os fazer conservar na sua pureza; Como outrossim Protector da reputação, e honra de todos os Meus Fiéis Vassalos de qualquer Estado, e condição que sejam, para remover deles tudo o que lhes é injurioso; e como Supremo Magistrado para manter a tranquilidade pública da mesma Igreja, e dos mesmos Reinos, e Domínios, e a conservação dos mesmos Vassalos em paz, e em sossego; removendo dela, e deles tudo o que é opressão, e violência; e tudo o que os pode dividir, e perturbar neles a uniformidade de sentimentos, que constituem a união Cristã, e a Sociedade Civil, que à sombra do Trono devem gozar de uma inteira, e perpétua segurança; Conformando-me não só com os uniformes Pareceres das sobreditas Consultas; mas também com a dos outros concordes Pareceres dos Ministros dos Meus Conselhos de Estado, e de Gabinete, que ultimamente ouvi sobre todo o conteúdo nelas; E usando no mesmo tempo de todo o Pleno, e Supremo Poder, que nas sobreditas matérias da manutenção da tranquilidade pública da Igreja; dos Meus Reinos, Povos, e Vassalos deles; e da sua honra, e reputação; Recebi imediatamente de Deus Todo Poderoso; Quero, Mando, Ordeno, e é Minha Vontade que daqui em diante se observe aos ditos respeitos o seguinte;
I. Mando que a Lei do Senhor Rei Dom Manuel, expedida no Primeiro de Março do Ano de mil quinhentos e sete; e a outra Lei do Senhor Rei Dom João o III dada em dezasseis de Dezembro do Ano de mil quinhentos vinte e quatro, em que proibiram a sediciosa, e ímpia distinção de Cristãos Novos e Cristãos Velhos, sejam logo extraídas do Meu Real Arquivo da Torre do Tombo, e de novo publicadas, e impressas com esta, para fazerem parte dela, como se nela fossem inteiramente incorporadas.
II. Mando, que as mesmas duas saudáveis Leis; não só fiquem por esta reintegradas na sobredita forma; mas também que sejam inteiramente restituídas, contra o dolo, com que foram suprimidas na última compilação das Ordenações, como se nela houvessem sido incorporadas; Removendo por efeito desta retroacção o malicioso e visível atentado, com que a referida Compilação se maquinou, com o sinistro fim de postergar, e fazer esquecidas as mesmas saudáveis Leis; pois que sem o referido mau fim, e sem os outros da mesma natureza, que hoje são notórios; seria impraticável que no Ano de mil seiscentos e dois se publicasse um novo Corpo de Leis, desnecessário, e intempestivo, havendo poucos anos antes precedido a publicação dos que contêm as Sábias Leis dos Senhores Reis Dom Manuel, e Dom João o III; tanto mais decorosas, e providentes, como é manifesto.
III. Mando, que as sobreditas duas Leis, e as que à semelhança delas Tenho Mandado publicar sobre as outras inabilidades que nestes Reinos se maquinaram, e introduziram com os mesmos sinistros objectos de sedições e de discórdias; fiquem constituindo desde o dia, em que esta passar pela Chancelaria, em diante as únicas Regras da ingenuidade, ou inabilidade de todos os meus Vassalos, de qualquer Estado, e condição que sejam; Para se terem por inábeis, e infames os que desgraçadamente incorrerem nos abomináveis crimes de Lesa Majestade, Divina, ou Humana; e por eles forem sentenciados, e condenados nas penas estabelecidas pelas Ordenações do Livro Quinto, Título Primeiro, e Título Sexto, com os Filhos, e Netos, que deles procederem; sem que contudo a referida infâmia haja de influir de alguma sorte nem nos Bisnetos; nem nos que deles procederem; E para se terem por ingénuos, e hábeis todos, e quaisquer dos outros Vassalos Naturais dos Meus Reinos, e seus Domínios, cujos Avós não houverem sido sentenciados pelos sobreditos abomináveis crimes.
IV. Mando, que restituindo-se todas as habilitações, e Inquirições ao feliz, e devido estado, em que (com tanto benefício da paz da Igreja Lusitana, do sossego público, e da honra, e reputação dos Povos destes Reinos, e seus Domínios) estiveram por todos os Séculos, que precederam às sobreditas sediciosas maquinações; não haja para os Habilitandos daqui em diante outros Interrogatórios, que não sejam os que se dirigem às provas da vida, e costumes, quando os Habilitandos ou nas suas próprias pessoas; ou nas de seus Pais, e Avós não tiverem inabilidade, ou infâmia de Direito; Servindo para as mesmas Inquirições, e Habilitações de Regras invariáveis os mesmos Interrogatórios, que se continham nas Constituições anteriores aos referi-dos Breves chamados De Puritate; e os mesmos, que se ficaram conservando nas Constituições do Bispado da Guarda, cujos Prelados Diocesanos prevaleceram sempre com a sua Apostólica constância contra as sugestões, coacções, e violências, a que alguns dos outros Prelados cederam por Colusões, e a que outros, depois de grandes resistências, vieram por fim a sucumbir, oprimidos das invencíveis forças, que contra Eles se empregaram naqueles calamitosos tempos.
V. Mando, que todos os Alvarás, Cartas, Ordens, e mais Disposições, maquinadas, e introduzidas para separar, desunir, e armar os Estados, e Vassalos destes Reinos, uns contra os outros em sucessivas, e perpétuas discórdias, com o pernicioso fomento da sobredita distinção de Cristãos Novos e Cristãos Velhos, fiquem desde a publicação desta abolidos, e extintos, como se nunca houvessem existido, e que os registos deles sejam trancados, cancelados e riscados em forma, que mais não possam ler-se; Para que assim fique inteiramente abolida até a memória de um atentado cometido contra o Espírito, e Cânones da Igreja Universal; de todas as Igrejas Particulares; e contra as Leis, e louváveis costumes destes Meus Reinos; oprimidos com tantos, tão funestos, e tão deploráveis estragos por mais de Sé-culo e meio, pelas sobreditas maquinações maliciosas.
VI. Mando, que todas as Pessoas de qualquer Estado, qualidade, ou condição que sejam, que depois do dia da publicação desta Minha Carta de Lei; de Constituição Geral; e Edito perpétuo; ou usarem da dita reprovada distinção, seja de palavra, ou seja por escrito; ou a favor dela fizerem, e sustentarem discursos em conversações, ou argumentos; Sendo Eclesiásticas, sejam desnaturalizadas, e perpetuamente exterminadas dos Meus Reinos, e Domínios, como revoltosas, e perturbadoras do sossego público; para neles mais não poderem entrar; Sendo Seculares Nobres, percam pelo mesmo facto (contra Eles provado) todos os Graus da Nobreza, que tiverem, e todos os empregos, Ofícios, e bens da Minha Coroa, e Ordens, de que forem providos, sem remissão alguma; E sendo Peões sejam publicamente açoitados, e degradados para o Reino de Angola por toda a sua vida.
E esta se cumprirá tão inteiramente, como nela se contém, sem dúvida ou embargo algum, qualquer que ele seja. Para o que Mando à Mesa do Desembargo do Paço; Conselho Geral do Santo Ofício; Mesa da Consciência, e Ordens; Regedor da Casa da Suplicação; Junta da Inconfidência; Conselhos da Minha Real Fazenda, e dos Meus Domínios Ultramarinos; Governador da Relação, e Casa do Porto; Presidente do Senado da Câmara; Governadores das Armas; Capitães Generais; Desembargadores; Corregedores; Ouvidores; Juízes; Magistrados Civis, e Criminais destes Reinos, e seus Domínios, a quem, e aos quais o conhecimento desta em quaisquer casos pertencer, que a cumpram, guardem, e façam inteira, e literalmente cumprir, e guardar, como nela se contém, sem hesitações, ou interpretações, que alterem as Disposições dela; não obstante quaisquer Leis, Alvarás, Cartas Régias, Assentos intitulados das Cortes, Disposições, ou Estilos que em contrário se tenham passado ou introduzido; porque todos, e todas de Meu Motu próprio, Certa Ciência, Poder Real, Pelo, e Supremo, Derrogo, e Hei por Derrogados como se deles fizesse especial menção em todas as suas partes, não obstante a Ordenação, que o contrário determina, a qual também derrogo para este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor. E ao Doutor João Pacheco Pereira, Desembargador do Paço, do Meu Conselho, que serve de Chanceler Mor destes Reinos, Mando, que a faça publicar na Chancelaria, e que dela se remetam cópias a todos os Tribunais, Cabeças de Comarcas e Vilas destes Reinos, e seus Do mínios; registando-se em todos os lugares, onde se costumam registar semelhantes Leis; e mandando-se o Original dela para o Meu Real Arquivo da Torre do Tombo.
Dada no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, aos vinte e cinco de Maio de mil setecentos e setenta e três.
Fonte: UFRGS