Como os dragões se tornaram o monstro da Idade Média?
- 7 de out.
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Atualizado: 15 de nov.

Dragão: Parte do Bestiário inglês produzindo entre 1255 e 1265. Créditos: Cortesia da British Library (Harley 3244).
Há séculos, a figura dos dragões existiu em diferentes culturas. Em algumas, as criaturas são apresentadas como indomáveis, em outras representam sinais de boa sorte. Mas tudo isso mudou quando esses seres ganharam destaque nos mitos e na iconografia cristã.
Na cultura da Idade Média, o dragão é uma das imagens mais emblemáticas. Essas criaturas estão longe de serem uma criação fantástica de sagas modernas de J. R. R. Tolkien ou de J. K. Rowling. A figura do dragão é uma criação de tempos antigos que surgiu de mundos simbólicos e sobrevive até hoje.
Seres mitológicos semelhantes a um dragão ou cobra já apareciam em coleções de civilizações da antiguidade, muito antes da Idade Média. Na Grécia antiga, os mitos estão repletos de serpentes e drakontes, serpentes gigantes que simbolizavam a força incontrolável da natureza. Na China antiga, os dragões controlavam e protegiam as fontes de água. Eles também representavam força e saúde.
As sociedades medievais classificavam os dragões como espécies de animais comuns. Histórias e lendas transformaram os dragões em um símbolo medieval que atravessaria o tempo.
Tomando forma na Idade Média
As criaturas assustadoras da antiguidade foram adaptadas para se adequarem à mentalidade da Idade Média. Por meio do Édito de Milão de 313 d.C., o cristianismo foi considerado legal em todo o Império Romano. Posteriormente, Teodósio I o tornou a religião oficial de Roma em 380 d.C. É nesse contexto que, gradualmente, o dragão foi se adequando aos códigos visuais da nova fé do Império Romano. Essa transformação aparece em enterros cristãos em Roma e em relevos em sarcófagos cristãos primitivos. Na iconografia cristã, o dragão se torna associado ao diabo, com santos e seres representando Jesus Cristo derrotando monstros semelhantes a dragões. Essas representações simbolizavam o triunfo da Igreja sobre cultos pagãos e heresias.
Nos eventos bíblicos descritos no Apocalipse, um dragão vermelho com sete cabeças desempenha um papel central.
E apareceu outro sinal no céu; e eis um grande dragão vermelho, tendo sete cabeças e dez chifres, e sete coroas sobre suas cabeças. E sua cauda arrastou a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que estava pronta para dar à luz, para devorar o seu filho assim que nascer. (AP. 12, 3-4)
O aspecto inicial do dragão, que se tornaria difundido no período Medieval foi consolidado pelo arcebispo e estudioso, Isidoro de Servilha, por meio de suas descrições em uma espécie de enciclopédia, chamada Etimologias, do início do século VII d.C. Isidoro se baseou em fontes antigas para classificar o dragão como pertencente à família das serpentes. Segundo o teólogo espanhol, os dragões eram cristados e vinham da Índia e da Etiópia. Essas criaturas podiam voar, matavam suas presas com suas caudas, que usavam para apertar ou chicotear suas vítimas, e viviam em cavernas.
Na Etiópia, onde o cristianismo era predominante, havia várias lendas de dragões. São Jorge, um santo católico, é retratado na iconografia cristã montando seu cavalo e matando um dragão com uma lança. Os dragões também aparecem retratados como serpentes, uma representação do diabo.
No período do Império Bizantino (395-1453 d.C.), o dragão era inteiramente representado com os atributos de uma serpente. O dragão aparece alado, bípede, com rosto semelhante ao de um gato ou cachorro na arte românica dos séculos XI e XII. Eles tinham, geralmente, pele escamosa, orelhas longas e caudas com pontas de formas vegetais.
Essas criaturas, retratadas em mísulas e tímpanos de mosteiros e igrejas, geralmente atacam cavaleiros, santos e criaturas que simbolizam Jesus Cristo, como o leão ou o cordeiro. Animais, como macacos, harpias e sereis, foram esculpidos na arquitetura da igreja como um aviso. Essas imagens foram amplamente difundidas pela Europa graças à crescente peregrinação a Roma e Compostela, na Espanha.
Nos séculos XII e XIII, iluminuras, ou livros de animais, tornaram-se populares na Europa cristã. Próximo à fauna real estavam os animais fantásticos, notavelmente dragões. A cauda do dragão era usada para asfixiar animais grandes, como elefantes.
Lagartos, morcegos e crocodilos
A partir do século XIII d.C., com a arte gótica, a figura do dragão se tornou mais complexa. As criaturas desse período se assemelhavam com animais reais. Na era gótica, o dragão é frequentemente retratado com asas semelhantes às de um morcego, com cristas e espinhos. Baseando-se em lagartos e crocodilos reais, surgiram os dragões quadrúpedes.
Durante a Idade Média, os dragões desempenharam um papel fundamental em várias lendas e hagiografias, alcançando popularidade. Nas histórias medievais, os santos alcançam a redenção matando dragões ou serpentes: São Hilarion entregou um dragão às chamas que ameaçavam a Dalmácia, enquanto São Patrício expulsou cobras da Irlanda.
Durante os séculos XII e XIII, os manuscritos estavam repletos de dragões. Essas criaturas eram frequentemente retratadas segurando letras maiúsculas ou andando dentro delas. As letras ricamente estilizadas apareciam no início de cada seção da obra. Palavras específicas no início dos parágrafos eram destacadas por línguas de dragão. Esses designs capturaram e ainda capturam a atenção do público, tornando o processo de leitura dinamicamente atraente.
Em 1265 d.C., o bispo de Gênova, Jacobus de Voragine, compilou uma coleção de contos sobre a vida dos Santos católicos chamada Lenda Áurea, que tornou essas histórias populares. Uma das histórias conta que o governador Olíbrio, da cidade romana de Antioquia, durante o império de Diocleciano, pediu à jovem cristã Margarida de Antioquia (posteriormente Santa Margarida ou Marina) que abandonasse sua fé para se casar com ele. Quando ela se recusou, Olíbrio ordenou que ela fosse presa. Na prisão, a jovem passou pela experiência de enfrentar um dragão: “Depois que ela terminou de rezar, houve um grande tremor [...]. Um dragão enorme e assustador com pele multicolorida surgiu de um canto. Sua crista e barba eram como ouro. Seus dentes brilhavam e seus olhos eram como pérolas. Fogo e fumaça saíam de suas narinas. Sua língua era como uma espada. Cobras estavam enroladas em seu pescoço.” Toda a cena foi testemunhada pelo cativo Timóteo (ou Teótimo), que dividia a cela com Margarida.
O aterrorizante dragão engoliu Margarida. Mas, com o auxílio de um crucifixo, ela abriu o estômago da besta e conseguiu escapar ilesa.
Ilustração de Santa Margarida de Antioquia. Willem Vrelant.
Na Idade Média, muitas histórias de dragão situavam-nos em ambiente hostil de floresta. Ainda segundo a Lenda Áurea, nas florestas do Vale do Rhêno (na França) havia um dragão chamado Tarasca. A terrível criatura ameaçava todos que se arriscavam a cruzar essas florestas. Certo dia, uma jovem chamada Marta de Betânia, uma seguidora de Jesus Cristo (posteriormente Santa Marta), “derramou água benta sobre ele, brandindo uma cruz”, e a criatura, “tão dócil quanto uma ovelha, foi imediatamente morta pelo povo com lanças e pedras”.
Lutando contra os Santos e cavaleiros
A luta contra dragões se tornou popular e assunto favorito na cultura da Idade Média, especialmente em histórias com cavaleiros e heróis épicos. No poema épico anglo-saxão Beowulf, que data entre os séculos VIII e XII, um dragão guarda um tesouro valioso. Quando uma taça de ouro é roubada por um ladrão, a criatura ataca os moradores locais, levando o valente Beowulf a matar a besta.
A história envolvendo dragões mais famosa da Idade Média foi a de São Jorge, um oficial romano da Capadócia (atual Turquia) que se converteu ao cristianismo. Segundo a lenda, Jorge ouviu que na cidade de Silene, na Líbia, havia um rei que sacrificava seus habitantes para satisfazer o apetite feroz de um dragão. Quando chegou a vez da filha do rei ser sacrificada, Jorge enfrentou o monstro. Após feri-lo com sua lança, Jorge pediu à princesa que o levasse para Silene, onde ele jurou matar o dragão se os habitantes se convertessem ao cristianismo. Eles concordaram e, então, Jorge cortou a cabeça do dragão. Posteriormente, São Jorge se tornaria mártir por sua fé cristã durante a Grande Perseguição aos cristãos em 303 d.C.
Parte do Livro de Horas: São Jorge e o dragão. Mestre de Sir John Fastolf.
Tanto São Jorge quanto o Arcanjo Miguel eram retratados na arte do final do período Medieval usando armaduras militares, como se fossem cavaleiros feudais. Os ideais de valor marcial e altruísmo, centrais para a cavalaria na Idade Média, eram personificados nos santos guerreiros.
Parte do Livro de Horas: São Miguel e o dragão. Mestre de Sir John Fastolf.
Por outro lado, a figura do dragão representava o caos, desordem, pecado, demoníaco, e tinha que ser controlado e eliminado. Entretanto, o que fez os dragões se elevarem na cultura popular até hoje foi o sentido que eram animais, mesmo monstruosos, mágicos e estranhos.
Bibliografia
CONSIGLIERI, Nadia Mariana. Dragons weren't always feared. Then they became the monster of the Middle Ages. National Geographic, 2024. Disponível em: https://www.nationalgeographic.com/history/article/dragons-monsters-middle-ages?loggedin=true&rnd=1759864468207. Acesso em: 4 de outubro de 2025.











