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Crustáceos cintilantes estão lançando uma nova luz sobre a evolução

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Ostrácodes nas águas do Caribe - História em Destaque

Ostrácodes nas águas do Caribe. Science.


Em uma de suas viagens no século XVIII, o naturalista Godeheu de Riville navegava pelo Oceano Índico quando se deparou com um fato extraordinário. O mar “estava coberto de pequenas estrelas; cada onda que quebrava ao nosso redor dispersava uma luz muito vívida, em uma tez como a de tecido prateado eletrizado no escuro”, relata ele em seu diário. Ao examinar com seu microscópio aquela água cintilante, de Riville descobriu que as “pequenas estrelas” eram, na verdade, minúsculos crustáceos atualmente conhecidos como ostrácodes.


Em 1980, James Morin, um biólogo marinho, mergulhava a noite nas Ilhas Virgens quando observou pontos azuis brilhantes piscando alguns metros de distância. Quando Morin apontou sua lanterna, ele viu dezenas de ostrácodes pairando em seu feixe. Ele percebeu que os flashes tinham padrões específicos no espaço e no tempo, muito parecido com os flashes do acasalamento dos vaga-lumes. Essa comprovação mudou o curso da carreira de Morin.



Atualmente como professor emérito da Universidade de Cornell, Morin vem trabalhando com uma pequena equipe a mais de quarenta anos para desvendar os mistérios do que eles descrevem como a maravilha natural mais magnífica que a maioria das pessoas nunca verá. Logo após o pôr do sol em noites sem lua nos mares quentes do Caribe, os ostrácodes machos se exibem apenas por cerca de uma hora. A grande maioria dos mergulhadores recreativos não mergulham à noite, e aqueles que o fazem tendem a usar luzes, fazendo com que as criaturas se desliguem à noite.


Os ostrácodes não são maiores que um grão de areia, e encontrados em abundância em água doce e salgada. De acordo com Timothy Fallon, bioquímico evolucionário da Universidade da Califórnia (UC), San Diego, “eles são muito fofos, mas também meio bizarros – como um cruzamento entre um caranguejo e uma pequena nave espacial”.


Não são seus corpos que brilham, e apenas os ostrácodes do mar são bioluminescentes. Eles expelem muco brilhante, em grande maioria para sua defesa – para assustar os predadores em potencial. Mas no Caribe em especial, esses pontos azuis podem funcionar como chamadas de acasalamento. Após milhares de mergulhos, a equipe de Morin acredita que esses sinais induziram os ostrácodes do Caribe a se diversificarem, e mais de 100 espécies.



Com equipamentos modernos, Morin e sua equipe têm usado essas criaturas para pesquisar os fatores que separam as espécies, incluindo isolamento geográfico, seleção sexual e acúmulo de mudanças genéticas aleatórias. Nos últimos 2 anos, os pesquisadores encontraram uma maneira de cultivar ostrácodes em laboratório, permitindo dissecar os mecanismos moleculares da evolução.


Ostrácodes secos são populares no Japão como curiosidades porque brilham quando reidratados. Eles são conhecidos como umi-hotaru – “vaga-lumes do mar” - e no início do século XX, chamaram a atenção do químico E. Newton Harvey. Ele elaborou a bioquímica básica da bioluminescência dos ostrácodes secos, que evoluiu independentemente cerca de 100 vezes. Para organismos como bactérias, fungos, peixes e insetos, o uso da bioluminescência serve para fugir de predadores, atrair presas ou como forma de comunicação, mas para outros como vaga-lumes, é um meio de namoro.


Em águas caribenhas, o show de luzes dos ostrácodes acontece quando os machos percebem que a água está escura o suficiente. Então eles saltam do recife ou do leito de plantas marinhas onde passam a maior parte do tempo e iniciam sua exibição. Na direção dos flashes nadam as fêmeas, assim como os machos que não piscam correndo para interceptá-los.



Os pesquisadores que estudam os ostrácodes do mar mergulham com seus equipamentos e se posicionam no fundo do mar logo após o anoitecer, usando luzes vermelhas para encontrar o caminho e assistir ao espetáculo. As águas mais profundas são assustadoramente silenciosas.


No início, os biólogos usavam um monóculo de visão noturna acoplado a uma câmera VHS. As imagens eram granuladas e tinham um campo de visão limitado. Agora, mesmo com a evolução do equipamento de vídeo, os pesquisadores costumam fazer anotações impermeáveis. Após a documentação da exibição, eles nadam até os flashes e pegam as criaturas com uma rede.


De volta ao laboratório, os pesquisadores classificam e examinam os ostrácodes capturados sob um microscópio para identificar as espécies. Até o momento, eles nomearam mais de 20 espécies; cerca de 100 aguardam descrição formal.


No início dos anos 2000, o estudo revelou que o comportamento dos ostrácodes é magnificamente complexo: os flashes podem ser fracos, brilhantes ou em tons diferentes, e podem durar de milissegundos a vários segundos. Os ostrácodes, ao gerar a bioluminescência, se movem de maneiras específicas da espécie, criando séries de flashes que variam em comprimento de menos de 1 metro até 30 metros.



Gretchen Gerrish, uma ecologista evolutiva da Universidade de Wisconsin, Madison, recrutou quase todos os pesquisadores do vaga-lume do mar para estudar as criaturas. De 2015 a 2019, a equipe realizou um projeto que se estendeu por cinco locais no Caribe. Para ajudar na captura das imagens, a equipe contou com a ajuda do cineasta Marin Dohrn, famoso por capturar a vida selvagem em locais com pouca iluminação, para desenvolver um sistema de câmeras subaquáticas que registre a luz visível e infravermelha ao mesmo tempo. Isso possibilitou aos pesquisadores visualizar os flashes azuis, bom como os próprios animais. “Isso transformou nossas habilidades para documentar as exibições em campo”, diz Morin.


Outra equipe de pesquisadores, liderada pelo biólogo evolucionário Todd Oakley, deram início a separação das relações entre as espécies de ostrácodes. Eles utilizaram amostras de RNA para sequenciar o “transcriptoma” (o conjunto de genes expressos), para espécies de ostrácodes do Caribe e confrontá-los com os transcriptomas de outros ostrácodes, inclusive os do Pacífico e Oceano Índico. Para determinar quando cada espécie se originou, o grupo de especialistas organizaram cada espécie em uma árvore genealógica, usando o número de diferenças genéticas entre as espécies com base no nível de semelhanças nos transcriptomas.


Este estudo revelou que a capacidade dos ostrácodes de gerar luz evoluiu cerca de 197 milhões de anos atrás. A árvore genealógica sugere que esse mecanismo defesa foi cooptado para exibições de acasalamento apenas uma vez, cerca de 151 milhões de anos atrás. Não se sabe ao certo por que esse comportamento do ritual de acasalamento brilhante não se espalhou para o Pacífico antes da formação do istmo do Panamá, mas uma probabilidade é que os ostrácodes não se espalhem amplamente. Outra hipótese é de que os sinais visuais não funcionam muito bem nas águas turvas do Pacífico.


Agora, os pesquisadores estão utilizando os ostrácodes como um novo olhar em uma das maiores questões da biologia evolutiva: o que estimula a formação de novas espécies? Uma forte candidata seria a seletividade feminina sobre os parceiros. Os especialistas afirmam que essa seleção sexual impulsionou a evolução de cores mais intensas ou chifres maiores nos machos, mas há poucas evidências de que possa realmente dividir uma espécie em duas. Oakley e sua aluna Emily Ellis confrontaram as taxas em que novas espécies se constituíram em ostrácodes que usam seus flashes como apresentações de acasalamento com a taxa daqueles que não utilizam.



Em Belize, na América Central, um estudo revelou evidências de que exibições distintas podem estar dividindo uma espécie em duas. Foi observado que a maioria dos machos da espécie Photeros Annecohenae mergulha para cima enquanto piscam, pintando sua sequência de pontos de luz intensos. Esse comportamento parece estar influenciando um número suficiente de fêmeas, aumentando sua proliferação. Gerrish observou que 50% dos machos agora exibem esse comportamento curioso em um leito de ervas marinhas, e essa porcentagem aumentou para 70% em um leito adjacente.


Ao longo desse mesmo recife, várias populações de P. annecohenae e exibem um gradiente genético, com populações distintas em cada extremidade. Os pesquisadores acreditam que a deriva genética aleatória está regendo algumas das diferenças, contando com a colaboração do isolamento geográfico. Em lugares onde o recife sofreu penas fissuras, ocorreu o isolamento das populações de ambos os lados.


Oakley e Hensley, em colaboração com Elizabeth Torres, bióloga evolucionária da California State University, em Los Angeles, sequenciaram os genes ostrácode, adicionando a enzima que acrescenta oxigênio a uma molécula chamada luciferina para produzir luz em todos os organismos bioluminescentes. A atividade dessa enzima pode determinar o brilho, a duração e outras características de cada flash, levando a mudanças comportamentais que podem causar o surgimento de novas espécies de ostrácodes.


Para seus estudos, Oakley e sua equipe cultivam ostrácodes em laboratório. O grupo consegui descobrir evidências de que novos traços surgem de modificações dos existentes. Eles também descobriram que os ostrácodes dependem de genes similares aos que se acredita serem ativos nas glândulas de veneno de centopeias e vespas. Assim, o surgimento da bioluminescência ostrácode há 197 milhões de anos, não era recém-criada, mas sim uma nova aplicação para uma rede genética existente.


Fonte: Science

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