
Ilustração de Grace O’Malley. Divuldação.
Grace O’Malley era filha do destemido navegante Owen O’Malley, líder do clã O’Malley, poderosa dinastia que governou os mares do Mayo por longos séculos. Segundo os registros da Royal Museums Greenwich, diz a lenda que Grace O’Malley tinha 11 anos quando fez um pedido a seu pai. Ela implorou para viajar numa expedição para a Espanha, mas não foi dessa vez que Grace embarcaria no navio. Seu pai negou seu pedido alegando que seus longos cabelos ficariam presos nas cordas do barco.
Quando o pai de O’Malley retornou da expedição, a menina havia cortado os próprios cabelos e estava prestes a iniciar um novo caminho para as mulheres irlandesas. Grace O’Malley recebeu o apelido gaulês de Granuaile (Gron-ya-wail), que ecoava nos mares agitados da Irlanda. Ela é considerada a mulher mais brutal da história irlandesa, rebelando-se contra o exército inglês sob o reinado da Rainha Elizabeth I, e durante décadas liderou navios que saqueavam os oceanos que circundam a Irlanda.
Granuaile é considerada uma das heroínas de Mayo e “umas das últimas líderes irlandesas a se defender do domínio inglês na Irlanda”. Afirma Anna Connor, oficial de desenvolvimento de turismo do Conselho do Condado de Mayo. O Condado de Mayo na República da Irlanda, têm cerca de 5,5 mil km² de extensão, é o maior dos 26 condados e se assemelha em tamanho ao estado norte-americano de Delaware. Famoso por suas montanhas sagradas, praias calmas, rios repletos de salmão e vilas de pescadores.
A abadia de Murrisk foi construída no século XV pelos O’Malleys na base de Croagh Patrick, uma montanha de 760 metros de altura, que há muito é um local de peregrinação católica.
Final do século XV e início do século XVI, a Irlanda se encontrava dividida em 40 clãs que reivindicavam a propriedade de regiões da nação e lutavam por território e riqueza. Após a Inglaterra assumir o controle total da Irlanda em 1541, muitos desses grupos se submeteram a autoridade inglesa. Outros grupos, como os O’Malleys se opuseram a ocupação inglesa.
Quando o chefe do clã, Owen O’Malley morreu em 1560, o direito a sucessão não foi para seu filho mais velho. Em vez disso, quem assumiu o poder foi sua filha Granuaile. A jovem acumulava conhecimento marítimo e táticas militares, ela controlava duas galés, 200 homens e 20 navios no Oceano Atlântico e arredores de Mayo.
A famosa pirata Granuaile se destacava por não ficar no conforto de seus luxuosos castelos, comandando de longe. Pelo contrário, ela estava sempre no convés de um navio gritando em meio ao barulho das ondas, com os olhos fixos em seus marinheiros. A história conta que, mesmo grávida, ela se manteve ao lado deles. Em 1567, Grace estava em alto mar numa viagem de missão comercial, quando seu navio foi invadido por piratas argelinos. Ela tinha acabado de parir, mas prontamente reuniu seus homens e afugentou os inimigos.
Grace O’Malley não foi feliz em seus relacionamentos amorosos. Em 1546, casou-se com Dónal na Chogaidh O’Flaherty, herdeiro do clã O’Flaherty, com quem teve dois meninos e uma menina. Esse casamento durou até 1565, quando seu marido foi morto enquanto caçava nas colinas próximo a Lough Corrib. Provavelmente assassinado pelo povo Joyces.
Após a morte do marido, Granuaile se relacionou com outro homem, um filho de um marinheiro de Wexford, que tragicamente, também foi assassinado, mas dessa vez, a culpa recaiu sobre os MacMahons.
Tomada por um enorme desejo de vingança, a corajosa pirata viajou para a região do clã inimigo, atacou o Castelo Donna e matou sem piedade os assassinos de seu antigo amor. Um ano depois, ela se casou com Risdeárd na larainn, seu terceiro amor, com quem teve um menino chamado Theobald.
O clã O’Malley, sob o comando de Granuaile, acumulou grandes riquezas por meio do comércio, pirataria e pesca. De acordo com a biógrafa Anne Chambers, “a forma como ela liderava no mar diferencia Grace O’Malley de todas as outras líderes femininas da história. A navegação marítima era considerada um privilégio masculino e, até certo ponto, ainda é. Era preciso muita habilidade e coragem para ganhar a vida nos mares ao longo da perigosa costa irlandesa”.
Granuaile passou a ser considerada um perigo para a Inglaterra quando seu clã passou a saquear navios ingleses na costa De Mayo e, em 1577, ela foi presa e condenada a dois anos de prisão. Logo após deixar a prisão ela liderou seu exército em sucessivas rebeliões sangrentas contra generais ingleses que tentaram tomar o território dos O’Malleys.
Depois de diversos conflitos, e ter um de seus filhos assassinado e outro sequestrado, Granuaile passou a empregar tanto a força quanto a diplomacia. Em 1539, ela fez o impensável quando se apropriou de um navio inglês, exigindo uma audiência com a rainha Elizabeth I de Inglaterra.
Diversos piratas haviam visitado Londres antes de Granuaile. Grande parte teve permanência breve e violenta, sendo enforcados e seus corpos pendurados por dias sobre o rio Tâmisa. Intrigada, a rainha da Inglaterra, concedeu a mais rara das audiências no Palácio de Greenwich, em Londres.
Granuaile em nenhum momento se sentiu intimidada ao ficar frente a frente com a poderosa rainha da Inglaterra. Em vez disse, ela chegou com um assunto para tratar, um argumento para provar e uma faca escondida em seu vestido. O encontro foi vantajoso para Granuaile: garantiu a libertação de parentes capturados e recebeu autorização para continuar com sua navegação marítima. Em troca, ela aceitou por fim sua rebelião contra os ingleses. Os últimos dez anos após o encontro foram menos agitados, e ela morreu de causas naturais no Castelo Rockfleet, em Mayo. Castelo do século XVI, Rockfleet permanece em ótimo estado de conservação.
Após seu encontro com a rainha Elizabeth, Granuaile foi chamada pelos oponentes ingleses de “traidora notável” e “mãe dos rebeldes”, mas para a maioria dos irlandeses, ela já era considerada uma heroína antes mesmo de morrer. A líder pirata Grace O’Malley morreu em 1603, aos 73 anos, e foi sepultada na Abadia da Ilha Clare. Mais de 400 anos após sua morte, garotas irlandesas ainda se sentem inspiradas e encorajadas por sua história.
Até 40 anos atrás, Grace O’Malley era amplamente omitida da história irlandesa convencional. Ela não se adequava no molde da “imagem patriótica, imaculada e zelosa da feminilidade gaélica elevada por historiadores irlandeses”. Explica Chambers. A biografia de Granuaile foi publicada em 1979, O’Malley, Granuaile: Ireland’s Pirate Queen (Granuaile: a Rainha Pirata da Irlanda, em tradução livre).
Fonte: National Geographic/ World History Encyclopedia