
Círculos perfeitamente concêntricos e uma sobrancelha e nariz em forma de T formam o rosto distinto de um dos chamados gigantes de pedra da Sardenha, no Museu Arqueológico Nacional de Cagliari.
Estátuas de pedra maciças construídas na Idade do Ferro estavam espedaçadas sob um campo em Mont’e Prama, no centro-oeste da Sardenha. Reconstruídas, estão revelando segredos sobre uma cultura perdida do Mediterrâneo.
Em 1970, agricultores da Sardenha aravam seus campos quando atingiram o que parecia ser uma grande rocha, mas uma análise minuciosa revelou algo intrigante. O que se pensava ser apenas uma rocha era na verdade uma cabeça de pedra. Sua descoberta revelou um dos mais importantes achados da Idade do Ferro no Mediterrâneo ocidental.
Descoberto em Mont’e Prama, o bloco de calcário foi o primeiro de milhares de fragmentos que foram coletados por arqueólogos nos anos seguintes. As peças foram remontadas em dezenas de estátuas gigantes.
Os gigantes de Mont’e Prama foram originalmente esculpidos em blocos únicos de calcário, e alguns chegam a dois metros de altura. Eles possuem faces triangulares, sobrancelhas e narizes em forma de T, e seus olhos são representados por círculos concêntricos redondos que olham diretamente para a frente. Pesquisadores agruparam as estátuas em três categorias: boxeadores, arqueiros e guerreiros. Algumas seguram escudos, outras seguram arcos.
Os historiadores não sabem exatamente o que os gigantes representam, mas todos acreditam que as estátuas serviam para unir uma comunidade por meio de seu simbolismo. Eles citam uma cultura da Idade do Ferro que prosperou há quase 3.000 anos, a cultura nurágica.
Agora, a Sardenha que há muito desempenha um papel importantíssimo no comércio do Mediterrâneo, passou a ter uma longa e dinâmica história de colonização humana.
No momento da descoberta, os pesquisadores sugeriram que as pedras faziam parte de um templo cartaginês. Cartago foi uma potência comercial baseada no Norte da África que conquistou a ilha em 500 a.C.
Após análises realizadas por Giovanni Lilliu, considerado o pai da arqueologia da Sardenha, foi concluído que os fragmentos compartilhavam traços com estatuetas de bronze feitas pela civilização nurágica da Sardenha. A cultura nurágica se desenvolveu entre os séculos XVIII e VIII a.C., é conhecida pelo trabalho em metal e pedra. Eles construíram estruturas megalíticas em toda a ilha, conhecidas como nuraghi. Até o momento, foram catalogadas mais de 6.000 nuraghi que ilustram a paisagem da ilha.

Nuraghe de Palmavera (séculos XV a IX aC) é um exemplo distinto das estruturas megalíticas que a cultura Nuragic construiu na Sardenha no final da Idade do Bronze.
Esse tipo de estrutura só é encontrado na Sardenha. Em alguns casos dominadas por uma torre contendo uma câmara circular. Os estudiosos ainda não conseguiram saber com exatidão qual a sua real função: as teorias variam de fortes, palácios e moradias e até mesmo a combinação dos três. Novas construções de nuraghi parece ter sido interrompido em grande parte por volta de 1200 a.C., mas os edifícios permaneceram em uso por séculos.
Os pesquisadores descobriram que após a criação dos gigantes, o sistema tribal nurágico começou a perder força e declinar. A ilha foi palco de lutas, onde gregos e fenícios duelaram pelos ricos recursos minerais da ilha, terminando com os fenícios ganhando a disputa. Em seguida, seus primos cartagineses do norte da África capturaram a Sardenha em algum momento do século VI a.C.
Em algum momento após a queda da cultura nurágica, os gigantes aparentam ter sido destruídos, provavelmente um ato deliberado de profanação realizado por colonos cartagineses ou fenícios em uma tentativa de estabelecer sua nova ordem na ilha.
As gigantescas estátuas remontadas por arqueólogos entre 2007 e 2011 se encaixam em três categorias principais: arqueiros, boxeadores e guerreiros.
Os boxeadores, é a categoria de estátuas mais numerosa localizadas até hoje. A figura tem peito nu e atarracada, segurando um escudo sobre a cabeça. Os pesquisadores descobriram que eles também seguraram uma luva de ritual de combate na mão direita. Historiadores acreditam que essas figuras podem ter desempenhado um papel religioso, ou mesmo sacerdotal.
As estátuas de arqueiros apresentam um braço direito erguido em saudação e a mão esquerda envolta em uma luva, segurando um arco sobre o ombro. Os arqueólogos ainda não encontraram nenhuma cabeça de arqueiros bem preservada, no entanto, é possível observar longas tranças de cabelo caindo nos ombros. Os pesquisadores acreditam que as estátuas compartilham as mesmas características faciais dos guerreiros.
As poucas figuras de guerreiros encontradas até o momento estão em péssimas condições. Originalmente, eles provavelmente usavam escudos circulares. Eles aparecem com capacetes com uma crista no centro e dois chifres no topo.
Ao longo da década de 1970, arqueólogos confirmaram que Mont’e Prama tinha sido uma antiga necrópole nurágica. Após escavações no local, foram descobertas diversas tumbas que datam do século XI a.C., e mais fragmentos de estátuas e modelos de pedra em miniatura de nuraghi.
Todas essas descobertas juntas indicam que os gigantes de pedra foram esculpidos em algum momento entre os séculos X e VIII a.C., no final da Idade do Ferro. Parte do trabalho arqueológico em Mont’e Prama se concentrou na necrópole, na coleta e análise de um enorme número de fragmentos descobertos no solo do local e nos túmulos. A equipe tinha uma grande tarefa: milhares de fragmentos variados se acumulavam desde da década de 1970.
A partir de 2007, foi iniciado o trabalho de remontagem das figuras de pedra. Em 2011, os especialistas conseguiram remontar as peças de pedra em 24 estátuas. Atualmente essas magníficas estátuas da Idade do Ferro podem ser vistas no Museu Arqueológico Nacional na capital da Sardenha e no Museu Cívico Giovanni Marongiu em Cabras.
Em 2015, mais três estátuas foram restauradas, incluindo dois arqueiros descobertos em Mont’e Prama.
O mistério de como o povo nurágico ergueu essas figuras e como elas foram colocadas no local intriga os pesquisadores quase 3.000 anos depois. Alguns pesquisadores acreditam que os números representam categorias da elite militar e sacerdotal nurágica. Outra suposição é de que as figuras servem como representação de figuras heroicas do passado nurágico.
Os moradores da Sardenha ainda hoje se identificam com esses símbolos de seu passado antigo.
Fonte: National Geographic