Mergulhadores resgatam subfósseis no lago do Abismo Anhumas, em Bonito-MS, para tentar entender a história dos Xenartras – subordem que inclui tatus, tamanduás e preguiças. Para os pesquisadores, conhecer esse caminho evolutivo ajuda a criar estratégias e cenários hipotéticos que ajudariam a entender a realidade atual de conservação das espécies.
Em junho de 2021 foi realizada a primeira expedição exploratória de cavernas úmidas da região de Bonito, Mato Grosso do Sul. Esta missão tinha por objetivo, reunir as peças e datar os esqueletos de tamanduás que estavam nas profundezas do Abismo Anhumas, famoso ponto turístico no meio da Serra da Bodoquena.
Pesquisar os xenartras é um trabalho emblemático para os especialistas. Flávia Miranda, pesquisadora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, Bahia, explica que: “o explorador busca resolver, registrar elos perdidos que possam contar a história evolutiva da fauna e flora, e todos os processos de evolução de forma”. Ela conduziu a expedição no Abismo Anhumas.
O objetivo da equipe é reconstruir o passado do tamanduá, que, apesar de ser um dos mamíferos mais antigos da América do Sul, quase não se tem registros antigos sobre ele. Os subfósseis foram datados na Universidade de Geórgia, nos EUA – um de 1.496 anos atrás e outro com cerca de 2 mil anos.
Tamanduá é o nome popular de um grupo de mamíferos pertencentes à subordem Xenartras. São conhecidas quatro espécies de tamanduá: o tamanduaí; o tamanduá-bandeira; o tamanduá-mirim; e o tamanduá-do-norte.
Tamanduá-bandeira. Imagem de Denis Doukhan por Pixabay
Segundo Flávia, a área foi escolhida por ser um local muito rico no Pleistoceno, onde foram descobertos diversos fósseis pleistocênicos com cerca de 1,6 milhões de anos, onde havia uma diversidade de espécies de xenartras muito grandes.
A retirada dos fragmentos que estavam submersos foi minuciosa e com bastante cuidado, tentando causar o mínimo de perturbação possível do ambiente. Foi coletado também material genético de animais vivos no Centro de Reabilitação de Animais Silvestres de Campo Grande.
Em setembro de 2020, durante os incêndios no Pantanal, Flávia coletou material genético de espécies ameaçadas na região, e criou um banco de germoplasma para preservar informações sobre a biodiversidade pantaneira.
O Abismo foi encontrado em 1970, por funcionários da fazenda após um incêndio na fazenda Anhumas. Eles encontraram um buraco aparentemente fundo, mas a primeira visita só ocorreu em 1984, quando escaladores desceram 72 metros – altura da borda do buraco até o lago interior. Em 1996, uma nova expedição foi realizada antes de o local ser aberto para visitação pública. Na época, a exploração tentava provar uma possível conexão entre a gruta da Lagoa Azul e o Abismo Anhumas. A primeira pessoa a chegar no fundo da caverna foi Edmundo Dinelli, em um mergulho exploratório de 78 metros de profundidade.
Edmundo foi convidado para realizar o plano de manejo do Abismo em 1998. “Eu investi muitas horas embaixo d’água, prospectando cada canto, cada dobrinha. Do ponto mais fundo ao mais raso. Nesse processo de pesquisa, apareceu esse esqueleto de tamanduá, já fundido em rocha”, conta Edmundo ao National Geographic Brasil.
Flávia explica que desde 2012 tem se empenhado para colocar a expedição em prática, mas só em 2021 conseguiu os apoios que necessitava. Esse tipo de exploração requer muitos recursos, pois envolve deslocamento de equipe e equipamentos especiais, entre outros detalhes. O trabalho de reconhecimento inicial foi realizado por um mergulhador local a pedido de Edmundo. Ele fotografou o fóssil com uma escala e as enviou para Flávia. Depois, foram coletados mais indícios: fotos com escala e morfometria dos ossos.
A equipe coletou mostras de um crânio, um úmero e uma vértebra. Apenas alguns fragmentos foram utilizados para a datação, o restante está armazenado na Universidade Federal da Bahia (UFBA) – onde está disponível para novas pesquisas.
A pesquisadora Flávia explica que “agora a equipe conseguiu criar cenários hipotéticos, para avaliar como era a distribuição dessas espécies”. Além da datação por carbono, realizado na UFBA, pesquisadores da Universidade da Geórgia realizaram estudo de isótopos. “Podemos criar mapas de mil, dois mil anos atrás, até a data presente. Com o isótopo, podemos ver como era a temperatura e fazer um cenário de paisagens”.
“Fizemos também a datação dos viventes, que é o projeto Arca Xenarthra. Pegamos todos os tamanduás-bandeira com amostra no Brasil e fizemos a análise genética para estudar as populações”, explica Flávia. “Agora vamos ter informações de populações mais antigas, onde veremos cenários e ligações com este subfóssil recente, de dois mil anos.”
Edmundo explica que essa descoberta é fundamental para recontar várias histórias. “Quanto mais se conhece a paleofauna, de todos os animais que já não estão vivos, mais temos uma ideia de distribuição dessas espécies”, diz o mergulhador.
É essencial entender como esses animais, que hoje estão em risco de extinção, sobreviveram em outras épocas, outros climas. “Todo o empenho e investimento em pesquisar, datar e conhecer esses esqueletos é justificado porque temos que buscar as coisas que ninguém viu ainda”, diz Flávia.
Fonte: National Geographic Brasil