Concepção artística de um nativo americano e um cachorro na América antiga ETTORE MAZZA. Divulgação.
No final da última era do gelo, humanos armados com lanças caçavam suas presas no frio do nordeste da Sibéria, perseguindo bisões e mamutes por uma enorme paisagem gramada. Acredita-se que ao lado deles, criaturas semelhantes a lobos dispostos a ajudar seus companheiros humanos a caçar e transportar de volta ao acampamento. Com toda certeza esses foram os primeiros cães do mundo. Seus descendentes se espalharam para o oeste, leste e pelas Américas seguindo os ancestrais dos nativos americanos.
Esse cenário é baseado em um novo estudo que combina DNA de humanos e de cães antigos, publicado na última segunda-feira (25), no Proceedings of National Academy of Sciences, que visa concluir anos de debate sobre onde e quando os cães foram domesticados.
Jennifer Raff, geneticista antropológica da Universidade de Kansas, Lawrence, e especialista em povos antigos nas Américas, diz que serão necessários mais genomas de cães e pessoas antigos para confirmar as descobertas, mas já, “É incrível ver como a história do cão e a história humana se combinam”.
A pesquisa teve início no escritório do biólogo e evolucionista Greger Larson na Universidade de Oxford. Ele conversava com Angela Perri, zooarqueóloga da Durham University, sobre a misteriosa origem dos antigos cães na América do Norte. Evidências genéticas e arqueológicas apontam que eles viveram há pelo menos 10.000 anos.
Angela Perri lembra que “David começou a falar sobre como e quando as pessoas se ramificavam em grupos diferentes, primeiro quando estavam na Sibéria e depois que chegaram à América do Norte”. David Meltzer é arqueólogo, e sugeriu comparar o DNA antigo de cães e humanos. “Fomos até um quadro branco gigante e começamos a rabiscar setas em todas as direções. Foi uma bagunça quente, mas soletrou a história da domesticação dos cães.”
Os especialistas analisaram genomas mitocondriais previamente sequenciados de mais de 200 cães de todo o mundo, alguns com mais de 10.000 anos. As análises mostraram que todos os cães antigos americanos carregavam assinatura genética apelidada de A2b – e que se dividiram em quatro grupo quando ouve o povoamento de diferentes partes da América do Norte, há cerca de 15.000 anos.
A equipe descobriu que o momento e a localização dessas divisões se assemelham aos dos antigos grupos de nativos americanos. Essas pessoas são descendentes de um grupo chamado pelos cientistas de ancestrais nativos americanos, que surgiu na Sibéria por volta de 21.000 anos. Esses humanos provavelmente trouxeram cães quando entraram nas Américas cerca de 16.000 anos atrás, concluiu a equipe. (Os antigos cães americanos talvez tenham desaparecido quando os europeus vieram para as Américas).
Os pesquisadores descobriram, ainda, que os cães A2b descendem de um ancestral canino que provavelmente viveu na Sibéria há cerca de 23.000 anos. Esse ancestral viveu com pessoas que pertenciam a um grupo genético conhecido como os antigos siberianos do norte. Impedido por um clima rigoroso de se mover muito para o oeste ou leste, esse grupo, que surgiu há mais de 31.000 anos, viveu em uma parte aproximadamente temperada do nordeste da Sibéria.
“Essas pessoas provavelmente estavam dormindo no chão em peles, assando caças frescas no fogo”, diz Meltzer. “Se você é um carnívoro faminto e sente o cheiro de churrasco de mamute, você vai dar uma olhada.”
A teoria mais aceita é de que os lobos cinzentos se aproximaram cada vez mais dos acampamentos humanos para catar comida, com os menos tímidos evoluindo ao longo de centenas ou talvez milhares de anos para filhotes gentis de hoje. Essa ideia é descartada se os humanos viajarem tanto que estejam sempre encontrando novas populações de lobos. Segundo as descobertas feitas pela equipe, ambas as espécies estiveram em lugares relativamente próximos na Sibéria por milênios.
Indícios genéticos apontam que os antigos humanos da Sibéria do norte se misturaram com os ancestrais nativos americanos antes de migrarem para as Américas. Esses antigos criadores de cães podem ter negociado os animais com a linhagem que se tornou os nativos americanos, bem como os que seguiam para o oeste na Eurásia. Essa ideia poderia explicar por que os cães surgiram mais na Europa e na América do Norte há cerca de 15.000 anos. Muitos cientistas especularam que os cães foram domesticados mais de uma vez. A equipe de Perri sugere que todos os cães descendem dos filhotes siberianos de 23.000 anos.
Já para o geneticista Peter Savolainen do Royal Institute of Technology em Estocolmo, os cães foram domesticados no sudeste da Ásia. Ele afirma que a assinatura A2b encontrada pela equipe, é exclusiva das Américas, sendo encontrada em outras partes do mundo. O novo estudo “não pode dizer nada” sobre a domesticação de cães. Argumenta Savolainen.
Com toda a sua experiência sobre povos antigos nas Américas, Raff diz que a história básica do estudo “soa verdadeira”. Mesmo assim, ela destaca que o DNA mitocondrial representa apenas uma pequena fração do genoma de um animal. “Você não pode preencher o quadro completo sem o DNA nuclear”, diz ela.
O Ph.D. e estudante de antropologia na Universidade de Oklahoma, Justin Lund, diz que “este trabalho representa um progresso realmente claro”. Ele é membro da Nação Navajo que trabalhou para incluir as perspectivas dos índios americanos nos estudos do genoma. “Mas essas narrativas nunca são realmente completas até que comecemos a incorporar o conhecimento que estava presente nas Américas antes da colonização.”
Fonte: Science